quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Arrumar a casa

Eu estava bebendo discurso. Depois de achar que aquele amor fosse minha razão e estivesse dando vida ao meu corpo eu descobri que era hidrogênio, tem muito por aí e a gente não sabe bem para que serve, era discurso, era palavra. Isso é simples e pode ser complexo, depende muito da generosidade de quem dá. Mas me deixa explicar, discurso é a mais hipócrita das palavras. Ele nem é conselho de quem se redime, e nem esperança de quem acredita. Discurso é alimento para quem fala, é ego de quem replica. Custou caro entender que havia pouco valor em quem tanto me dizia, custou a minha falência e estou pedindo meus três dias. Antes de ressuscitar vou ter que lavar, ser chorada minha morte, e ainda manchar um lençol com meu rosto tentando que lembrem quem era eu, para só três dias depois eu voltar. Voltar bem diferente mas com a mesma vontade de acertar. Se me perdi no caminho, e me pesaram as culpas está na hora de recomeçar.
Aprender a conviver com o desespero e absorver o que mais se pareça comigo, com a parte boa de mim, a que quero viver.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Coral

Algumas vozes soavam juntas e era bonito de ouvir. Mas mesmo assim cada um tinha um livro para dizer, e uma cachoeira para descer. Diferente, e tão igual que todos assistiam a mesma novela, e achavam que ali era a história do seu amor, sem notar que ao vivo é mais encantador e incerto. Não dá para cantar o próximo verso por que a diferença dos seus netos vem da mesma fonte, e passam cada um por uma ponte e eu quero escutar.


Ouvir nota por nota sem tentar fazer de tudo uma só massa, prefiro as saladas em que cada sabor permanece e se aquece. Um áspero de maçã, correndo o risco de se envolver com a folia de uma laranja. A delicadeza da pera envolvida na saudade que dá o gosto de seriguela. Prefiro a salada e a queda. Aceito a diferença e o encaixe do tempo, em que sabores gostosos se descobrem mais amenos para se juntar.

Outras mulheres podem ser e são mais encorpadas e sorridentes do que eu, mas eu guardo uma cachoeira e uma nota que só sai da minha garganta e que nunca quis ser santa.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Se for costurar, use um dedal.

Coisas com poeira devem sim ficar no fundo do baú.
A boneca de pano da sua infância é da sua infância, então deixa lá.
Não traga para o frio do sul, aquele biquini que voce usou no último verão.
Se o Sol é do verão deixa lá.
Têm casais que não ficam bem na foto, então não eternize pintando a oléo.
Faça um rabisco, o teste faz bem.
Se entender que não deu certo, guarde no baú velho e pegue só para lembrar.
Não vale a pena forçar, vale a pena fortalecer. Aprenda com o tropeço, guarde a pedra para lembrar. Mas nunca deixe ela no mesmo lugar, um dia voce esquece que ela está lá e tem o poder de ti ferir.
Prefira guardar agora enquanto um antiquário pode querer vender e seus netos vão querer ouvir.
Se demorar de guardar pode simplesmente perder o valor e ter que ser jogado fora.

Poesia

É importante saber quem lhe faz bem.
Sangra feito brasa porque meu sangue é negro e forte de senzala.
Aceito os cachos e o peso da mala, o mundo é meu lar e não preciso que me façam sala.
Sou da casa, entro pelos fundos e desço com elegância a escada.
Ser dama é efeito dominó que começa com a primeira fala.
Ainda ontem um moço alto e trabalhador me disse que falhou.
Ele disse que foi culpa dele mesmo, pelo menos não se desculpou.
Acho assim também, a culpa é de quem tem e não de quem dá.
Cada um compra onde quer comprar, e eu prefiro liquidação.
Roupa de marca muda de estação em estação e eu preciso vestir algo que me sirva no sol ou ao luar.
Não sei que hora volto, tampouco se pego ou solto.
Sei apenas que o prefácio do meu livro será escrito por minha mãe, e o índice pelo coração.
As notas de roda pé serão fruto da ocasião e o número de páginas tem limite na razão.
Sangra feito brasa porque é cor de quem fala, e não silêncio da solidão.

O texto fala porque os olhos estão cansados de enxergar.

Estou precisando dizer da beleza da vida porque me mostraram no último domingo que a dúvida pode cegar.
Ouvi dizer quase como a leitura de uma carta sobre a certeza do belo que para mim basta, ouvi dizer que a solidão afasta duas pessoas lado a lado pela fraqueza e medo de se amarrar.
Calei feito estatua ferida, que sentia a dor da flecha de um indio amado. A maldade da solidão e o seio que sangrava calado. O que dizer a franqueza exposta da ilusão?
As palavras e melodia de um forró tantas vezes me fizeram sentir mais feliz do que qualquer fluxetina seria capaz. Jamais precisei dos artificios, ou de um forte nó. Acontece que naquela noite eu descobri que o meu sonho mais puro tinha virado pó.
Eu entendi que a beleza de um rapaz pode ser sujada por meia duzia de feias palavras e que o meu sonho de menina pode desaparecer na neblina de poeira branca tão sorroteira de passar.
Se o livro pelas minhas mãos escrito era com letras de ouro, e bordado em cor alegre de inocencia, ele tinha também borrões de displicencia.
A mim foi sempre o amor que soubrou e bastou.
Sempre o amor me dopou, curou e alucionou. Jamais precisei sujar a felicidade, serei feliz no campo ou na cidade. Com joias de ouro, ou pulseiras de cordão.
Cabe verdade no meu peito de princesa e braço de peão. Mas juro que tantas verdades cheias de ilusão me fazem querer fechar os olhos para não aceitar que tanta beleza não passava de poeira nas suas mãos.